Smartwatches estão se tornando aliados na prevenção de arritmias graves. Mas qual é o mais preciso?
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Afibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais comum no mundo. Ela afeta mais de 52 milhões de pessoas e aumenta significativamente o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca. Identificar a FA antes que ocorram complicações é essencial para reduzir mortalidade e incapacidade. Tradicionalmente, essa detecção dependia do eletrocardiograma (ECG), um exame feito em consultório. Hoje, smartwatches com sensores de batimentos cardíacos ampliaram o rastreio para o dia a dia.
A grande questão, no entanto, é saber qual relógio realmente oferece dados confiáveis — e é aí que entra o estudo de Barrera et al. (2025) publicado recentemente no JACC Advances, uma das análises mais robustas já realizadas sobre o tema.
O que revelou a nova meta análise sobre a acurácia dos relógios inteligentes?
O estudo analisou 26 pesquisas que envolveram mais de 17 mil participantes em 11 países. O resultado é animador: a sensibilidade média (capacidade de identificar corretamente casos de FA) foi de 95%, e a especificidade média (capacidade de identificar ritmos normais) chegou a 97%.
Em outras palavras: os relógios inteligentes acertam na grande maioria dos casos.
O desempenho, porém, variou entre marcas:
- Samsung Galaxy Watch: sensibilidade de 97% e especificidade de 96%.
- Apple Watch: sensibilidade de 94% e especificidade de 97%.
- Withings ScanWatch: sensibilidade de 89% e especificidade de 95%.
- Amazfit: sensibilidade e especificidade próximas a 98%.
A análise mostrou ainda que tecnologias diferentes – fotopletismografia (PPG) e ECG – tiveram acurácias semelhantes, com áreas sob a curva (AUC, um parâmetro que indica a confiança nas medidas e vai até 1,0) de 0,98 e 0,97, respectivamente.

Quais tecnologias permitem que o smartwatch detecte arritmias?
Os dispositivos modernos utilizam dois métodos principais:
- Fotopletismografia (PPG): mede variações de luz refletida no pulso, indicando irregularidades no fluxo sanguíneo.
- Eletrocardiograma (ECG): registra diretamente o sinal elétrico cardíaco, geralmente em uma derivação.
Ambas as técnicas demonstraram alto desempenho. Segundo Barrera et al. (2025), não houve diferença significativa entre PPG e ECG na detecção de FA. Isso mostra que até modelos mais acessíveis podem fornecer dados confiáveis, desde que devidamente calibrados e interpretados.
Qual smartwatch é mais confiável segundo as evidências?
De acordo com a meta-análise, os smartwatches da Samsung e da Amazfit lideraram a precisão geral, seguidos por Apple e Withings. Curiosamente, o Amazfit, um modelo menos caro e mais popular em países emergentes, e disponível no Brasil, mostrou acurácia comparável aos dispositivos premium.
Outras análises, como a de Shahid et al. (2025) e Elbey et al. (2021), confirmam que o Apple Watch mantém a melhor base de evidências clínicas — é o mais estudado e o primeiro aprovado pela FDA para detecção de fibrilação atrial.
Já a Samsung se destacou pela performance técnica, especialmente nas versões mais recentes com aprendizado de máquina integrado.
Todos os usuários podem confiar nesses resultados?
Nem sempre. A precisão dos dispositivos varia com o perfil do usuário e o contexto clínico. Pacientes idosos ou com doenças cardíacas estruturais tendem a gerar leituras mais imprecisas, principalmente em registros de PPG. Além disso, fatores como movimento do braço, sudorese ou má colocação do relógio podem interferir no sinal.
Os autores destacam que a maioria dos estudos incluiu pacientes com maior prevalência de FA, o que tende a aumentar artificialmente o valor preditivo positivo. Em populações jovens e saudáveis, os falsos positivos podem ser mais frequentes, levando a exames desnecessários e ansiedade.
Como a ciência avalia a confiabilidade desses dispositivos?
A confiabilidade foi medida por meio de indicadores estatísticos como:
- Sensibilidade: porcentagem de acertos ao detectar FA.
- Especificidade: acertos ao identificar ritmo normal.
- Valor preditivo positivo (VPP): probabilidade de um alerta ser verdadeiro.
- Valor preditivo negativo (VPN): probabilidade de um resultado normal realmente significar ausência de FA.
No estudo de Barrera, o VPN foi de 97,6% e o VPP de 92,5%, demonstrando que os relógios erram pouco ao tranquilizar o usuário. Contudo, os falsos alarmes ainda ocorrem em baixa magnitude — especialmente em contextos de baixa prevalência da doença.
O que a comparação entre gerações de relógios revelou?
Os autores observaram que as versões mais novas do Apple Watch (como séries 6 e 7) reduziram a heterogeneidade dos resultados, indicando maior consistência. Essa melhora está associada a avanços de software e refinamento dos algoritmos de IA.
Isso sugere uma tendência: a precisão desses dispositivos aumenta a cada geração. No entanto, Barrera et al. ressaltam que diferenças entre marcas foram menos relevantes do que o tamanho da amostra dos estudos. Em síntese, quanto maior o número de participantes analisados, mais realistas e robustos os resultados.
Qual o impacto clínico do uso desses dispositivos?
Os smartwatches representam uma ferramenta promissora para rastreamento populacional de FA, sobretudo em idosos, hipertensos e diabéticos. No entanto, ainda não substituem métodos médicos formais, como o ECG de 12 derivações ou o Holter.
Estudos como o HEARTLINE-A (número de registro NCT04276441) e o REACT-AF (NCT05836987) estão avaliando se a detecção precoce via smartwatch realmente reduz o risco de AVC e melhora a sobrevida. Por ora, a recomendação é que os alertas sejam sempre confirmados por exames clínicos antes de qualquer decisão terapêutica.
Existem limitações no uso de smartwatches para FA?
Sim. O artigo de Barrera et al. (2025) destaca alguns pontos críticos:
- Artefatos de movimento e falhas de gravação ainda afetam boa parte dos registros (10-25%).
- Pacientes com baixa familiaridade tecnológica podem interpretar mal os resultados.
- Ansiedade e consultas médicas desnecessárias são efeitos colaterais documentados (Rosman & Lampert, 2020).
- O custo-benefício do rastreio em larga escala continua em debate, embora estudos recentes indiquem viabilidade crescente (Chen et al., 2022).
Esses desafios reforçam a necessidade de educação digital em saúde e de protocolos clínicos bem definidos para lidar com notificações automáticas.
O futuro dos smartwatches na cardiologia preventiva
A tendência é clara: os relógios inteligentes estão se consolidando como ferramentas médicas complementares. A combinação de sensores multimodais, inteligência artificial e integração com prontuários eletrônicos deve aprimorar ainda mais a precisão diagnóstica.
Em paralelo, cresce o debate ético sobre privacidade de dados biométricos e uso responsável das informações. O consenso entre especialistas é que, embora o potencial seja enorme, a supervisão médica continua indispensável.
Conclusão: qual é o veredito?
Segundo a revisão sistemática de Barrera et al. (2025), os smartwatches alcançaram níveis de acurácia comparáveis aos métodos clínicos tradicionais. O Samsung Galaxy Watch e o Amazfit lideram em desempenho bruto, enquanto o Apple Watch mantém a vantagem em validação científica.
O uso de relógios inteligentes não substitui o cardiologista, mas pode antecipar diagnósticos e salvar vidas.
A integração entre tecnologia e medicina é o próximo passo na prevenção personalizada.
Referências
- Barrera N, Solorzano M, Jimenez Y, et al. Accuracy of Smartwatches in the Detection of Atrial Fibrillation: A Systematic Review and Diagnostic Meta-Analysis. JACC Adv. 2025; DOI:10.1016/j.jacadv.2025.102133. [link]
- Shahid S, et al. Diagnostic accuracy of Apple Watch ECG for atrial fibrillation: systematic review and meta-analysis. JACC Adv. 2025;4:101538. [link]
- Elbey MA, Young D, Kanuri SH, et al. Diagnostic utility of smartwatch technology for atrial fibrillation detection. J Atr Fibrillation. 2021;13:20200446.[link]
- Chen W, Khurshid S, Singer DE, et al. Cost-effectiveness of screening for atrial fibrillation using wearable devices. JAMA Health Forum. 2022;3:e222419. [link]
- Rosman L, Gehi A, Lampert R. When smartwatches contribute to health anxiety in patients with atrial fibrillation. Cardiovasc Digit Health J. 2020;1:9–10. [link]

























