Senescência celular: como as células “velhas” afetam o corpo e o que a ciência está fazendo a respeito

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Oenvelhecimento humano é um processo complexo, marcado por mudanças visíveis e invisíveis. Embora muitos associem o envelhecimento a rugas e cabelos brancos, as transformações mais profundas ocorrem em nível celular. Dentro do nosso corpo, as células se dividem, crescem e morrem, em um ciclo contínuo. Entretanto, algumas células, em vez de morrerem, entram em um estado de “aposentadoria” permanente. Este fenômeno, conhecido como senescência celular, desempenha um papel fundamental no processo de envelhecimento e no desenvolvimento de doenças crônicas. Vamos explorar como essas células afetam nosso organismo e o que a ciência está descobrindo para combater seus efeitos.


O que exatamente é a senescência celular?

A senescência celular é um estado de parada irreversível do ciclo de vida de uma célula. Diferentemente das células que morrem por apoptose (morte celular programada), as células senescentes permanecem vivas. Elas perdem sua capacidade de se dividir e funcionar corretamente. A célula senescente não é inativa, no entanto. Na verdade, ela é hiperativa e libera uma mistura de moléculas inflamatórias. Essa secreção é chamada de fenótipo secretor associado à senescência (SASP). O SASP altera o ambiente ao redor das células, impactando negativamente os tecidos e órgãos. Em outras palavras, elas não morrem, mas se tornam “zumbis” celulares.


Por que as células se tornam senescentes?

Existem várias razões para que uma célula se torne senescente. Um dos principais gatilhos é o encurtamento dos telômeros, as extremidades protetoras dos cromossomos. Cada vez que uma célula se divide, os telômeros ficam um pouco mais curtos. Quando atingem um tamanho crítico, a célula interrompe a divisão para evitar danos ao seu DNA. Outros fatores também podem induzir a senescência, como o estresse oxidativo, que causa danos às estruturas celulares, e o estresse genotóxico, resultado de danos diretos ao DNA. A exposição a substâncias químicas tóxicas e a radiação também pode levar à senescência precoce das células.


Como as células senescentes afetam nosso corpo?

Inicialmente, a senescência é um mecanismo de proteção. Ela impede que células com DNA danificado se dividam descontroladamente, o que poderia levar ao câncer. Contudo, com o tempo, o acúmulo de células senescentes em diversos tecidos contribui para a disfunção do organismo. Por exemplo, a secreção do SASP pode inflamar tecidos saudáveis. Esta inflamação crônica de baixo grau é um dos principais motores do envelhecimento. Ela está ligada a diversas condições, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e doenças neurodegenerativas. A inflamação enfraquece o corpo e acelera o desgaste natural dos órgãos.


Qual a relação entre a senescência e as doenças do envelhecimento?

O papel das células senescentes na progressão de doenças crônicas está se tornando cada vez mais claro. Pesquisas mostram que o acúmulo dessas células em tecidos específicos está associado a problemas graves. No cérebro, a presença de células senescentes em células gliais pode contribuir para a inflamação e a degeneração neural, observadas em doenças como Alzheimer e Parkinson. No sistema cardiovascular, elas promovem a aterosclerose e a disfunção vascular. Além disso, no tecido adiposo, a senescência pode levar à resistência à insulina, um fator-chave no desenvolvimento do diabetes.


A senescência afeta todos os nossos sistemas e órgãos?

Sim. A presença de células senescentes não se restringe a um ou outro órgão. Ela afeta o corpo de maneira sistêmica. Por exemplo, na pele, o acúmulo dessas células contribui para a perda de elasticidade e o surgimento de rugas. No sistema musculoesquelético, as células senescentes em cartilagens e articulações podem causar osteoartrite. O tecido muscular também é afetado. A senescência contribui para a sarcopenia, que é a perda de massa e força muscular. Em suma, o processo afeta desde a estética da pele até a funcionalidade dos órgãos internos, prejudicando a saúde em diversas frentes.


A remoção das células senescentes pode nos rejuvenescer?

Essa é uma das questões mais empolgantes na pesquisa sobre envelhecimento. A hipótese é que a remoção seletiva das células senescentes poderia reverter ou mitigar os sintomas do envelhecimento. Estudos em animais, especialmente em camundongos, demonstraram resultados promissores. Em um desses estudos, a eliminação das células senescentes em camundongos geneticamente modificados resultou no aumento da longevidade e da saúde. Os animais apresentaram melhora na função renal, no sistema cardiovascular e na massa muscular, entre outros benefícios. Isso sugere que a limpeza celular pode ser uma abordagem viável para a longevidade.


O que são os senolíticos e como eles funcionam?

Senolíticos são uma classe de compostos que têm a capacidade de induzir a morte seletiva de células senescentes. Eles funcionam explorando as vulnerabilidades específicas dessas células. As células senescentes são resistentes à apoptose, mas dependem de certas vias de sinalização para sua sobrevivência. Os senolíticos agem inibindo essas vias, forçando as células senescentes a passarem pela morte celular programada. Isso permite que o sistema imunológico as elimine, reduzindo a carga de células “zumbis” no corpo. A busca por novos senolíticos é uma área de intensa pesquisa atualmente.


Quais são os senolíticos mais promissores até agora?

Vários compostos têm sido investigados como potenciais senolíticos. A combinação de dasatinibe e quercetina é a mais estudada e tem mostrado resultados significativos em modelos animais. Dasatinibe é um medicamento já aprovado para o tratamento de leucemia, enquanto a quercetina é um flavonoide encontrado em frutas e vegetais. Outros compostos como a fisetina, encontrada em morangos e maçãs, e a navitoclax, também estão sendo testados. A pesquisa ainda está em estágios iniciais, mas os resultados abrem caminho para futuros tratamentos.


A terapia com senolíticos já é segura e disponível para humanos?

Não. Embora os estudos em animais sejam animadores, a terapia senolítica em humanos ainda está em fase de pesquisa clínica. Vários ensaios estão em andamento para avaliar a segurança e a eficácia desses compostos em humanos. Os pesquisadores estão testando senolíticos para o tratamento de condições específicas, como fibrose pulmonar idiopática e osteoartrite. É importante ressaltar que os resultados de camundongos nem sempre se traduzem diretamente em humanos. Por isso, a comunidade científica adota uma abordagem cautelosa e rigorosa.


O que o futuro da pesquisa em senescência nos reserva?

O campo da pesquisa em senescência está em plena efervescência. A ciência busca não apenas novos senolíticos, mas também métodos para modular o SASP, ou seja, neutralizar as moléculas inflamatórias secretadas pelas células senescentes. Além disso, novas estratégias, como a utilização de terapias gênicas e terapias celulares para rejuvenescer tecidos, estão sendo exploradas. O objetivo final é desenvolver abordagens seguras e eficazes para combater as causas biológicas do envelhecimento. Isso poderá prevenir e tratar uma vasta gama de doenças relacionadas à idade.


Como a pesquisa em senescência se conecta com a longevidade?

Compreender a senescência celular é crucial para a busca da longevidade saudável. A ciência da longevidade não se limita a prolongar a vida, mas a estender a saúde. Trata-se de aumentar a “saúde da vida”, ou o tempo em que as pessoas vivem sem doenças crônicas e com qualidade de vida. Ao atacar a senescência, os cientistas buscam não apenas adicionar anos à vida, mas também adicionar vida aos anos. O objetivo é permitir que as pessoas envelheçam com mais vigor e autonomia. A senescência é uma das principais fronteiras para a medicina regenerativa e a biotecnologia.


Existe algo que podemos fazer hoje para combater a senescência?

A pesquisa sugere que algumas intervenções no estilo de vida podem ajudar a mitigar o acúmulo de células senescentes. A atividade física regular, por exemplo, pode ajudar a reduzir a inflamação e melhorar a função metabólica. Da mesma forma, uma dieta equilibrada e rica em antioxidantes pode combater o estresse oxidativo. Embora essas medidas não sejam uma solução mágica, elas contribuem significativamente para a saúde geral. Elas são parte de uma estratégia de envelhecimento saudável. A ciência continuará a explorar novas terapias, mas a prevenção continua sendo uma ferramenta poderosa.


O que é preciso para levar a ciência da senescência para a realidade clínica?

A transição da pesquisa de bancada para a prática clínica exige um esforço colaborativo e meticuloso. É fundamental realizar mais ensaios clínicos robustos para garantir a segurança e a eficácia de novas terapias. Precisamos entender os efeitos a longo prazo desses tratamentos e identificar os pacientes que mais se beneficiarão deles. A pesquisa contínua sobre a biologia da senescência celular é a chave. Ao desvendar os mistérios do envelhecimento, podemos, finalmente, desenvolver tratamentos que transformem a maneira como envelhecemos. A jornada para uma longevidade saudável está apenas começando.


Referências

  1. Baker, D.J., et al. (2016). “Clearance of p16Ink4a-positive senescent cells delays ageing-associated disorders.” Nature, 530(7589), 184-189. Este artigo demonstrou que a remoção genética de células senescentes em camundongos preveniu ou aliviou diversas doenças relacionadas ao envelhecimento.
  2. Childs, B.G., et al. (2018). “Senescent cells: a therapeutic target for cardiovascular disease.” J Clin Invest . 128(4):1217-1228. Esta revisão explora o papel das células senescentes na fisiopatologia de doenças cardiovasculares e discute o potencial dos senolíticos como nova abordagem terapêutica.

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