Novas plataformas de vacinas buscam transformar a prevenção e o tratamento do câncer de pulmão. Veja o que a ciência já sabe e o que os estudos mais recentes prometem.
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As vacinas terapêuticas para câncer de pulmão foram criadas para treinar o sistema imune a reconhecer antígenos tumorais específicos. Embora esse conceito exista há décadas, os avanços em biologia molecular e plataformas de RNA impulsionaram a área recentemente. Elas não substituem quimioterapia ou imunoterapia padrão, mas podem complementar o tratamento e aumentar a chance de controle da doença.
O interesse atual se deve ao acúmulo de evidências clínicas. A literatura recente, incluindo estudos consolidados em revisões sistemáticas, mostra que algumas vacinas demonstram perfil de segurança consistente e benefício clínico em subgrupos selecionados. Esses achados renovam o debate sobre estratégias mais precisas para doenças avançadas.
Além disso, novas plataformas de mRNA aproximam a oncologia da medicina personalizada, criando vacinas ajustadas ao tumor de cada paciente. Esse cenário amplia perspectivas de longo prazo.
Como funcionam as vacinas terapêuticas já estudadas?
Diferentemente das vacinas contra vírus e bactérias, as vacinas anticâncer não impedem o aparecimento inicial do tumor. Seu objetivo é estimular a imunidade adaptativa a reconhecer células malignas. Elas utilizam diferentes estratégias.
- Vacinas peptídicas apresentam pequenos fragmentos de proteínas tumorais para ativar células T específicas.
- Vacinas de vetor viral usam vírus modificados para entregar antígenos tumorais ao sistema imune.
- Vacinas de RNA estimulam células do organismo a produzir proteínas que mimetizam antígenos do tumor.
Segundo revisões recentes, essas abordagens apresentam toxicidade baixa e são compatíveis com terapias modernas. No entanto, o nível de resposta varia conforme o perfil biológico do tumor e o estágio clínico.
O que mostram os estudos clínicos e por que a metanálise recente é importante?
A consolidação das evidências é essencial para interpretar o real impacto das vacinas terapêuticas. Nesse contexto, destaca-se a metanálise publicada em 2025 na EClinicalMedicine (The Lancet), que sintetiza resultados de ensaios clínicos randomizados envolvendo vacinas aplicadas em pacientes com câncer de pulmão. Esse trabalho permite comparar diferentes tecnologias de forma padronizada, dando mais clareza ao que já é conhecido e ao que ainda precisa ser testado em estudos maiores.
As conclusões apresentadas neste artigo se apoiam diretamente nessa metanálise, que avaliou de maneira abrangente desfechos clínicos e de segurança. A população incluída era composta principalmente por adultos com carcinoma de pulmão de células não pequenas (NSCLC) em estágios avançados ou recorrentes, grande parte previamente tratada com terapias padrão. Os comparadores foram placebo ou tratamento convencional isolado, o que permitiu estimar o efeito incremental da vacinação. Os desfechos analisados incluíram sobrevida global, sobrevida livre de progressão, taxa de resposta objetiva, controle de doença e eventos adversos graus 3 ou maior.
A revisão mostrou perfil de segurança sólido, com baixos índices de toxicidade grave, e identificou benefícios modestos porém reprodutíveis em contextos específicos, sobretudo quando a vacina foi utilizada como manutenção após terapias iniciais. A conclusão central foi que as vacinas são seguras e podem ampliar o manejo do câncer de pulmão em populações bem selecionadas, justificando a expansão de ensaios clínicos de fases posteriores.
Existe alguma vacina preventiva em estudo?
Sim. Um estudo fase 1/2 anunciado recentemente no G1 apresentou o início dos primeiros testes de uma vacina preventiva direcionada a indivíduos de alto risco, como fumantes pesados e pessoas com mutações associadas ao câncer de pulmão. É a primeira vez que um imunizante anticâncer pulmonar chega a humanos com objetivo preventivo. Essa vacina experimental para prevenção do câncer de pulmão chamada LungVax ainda não possui um identificador NCT (National Clinical Trial) registrado publicamente no banco de dados ClinicalTrials.gov. O ensaio clínico de Fase I está previsto para começar no verão de 2026 (no hemisfério norte).
A vacina atua estimulando resposta imune contra proteínas associadas a mutações induzidas pelo tabaco. Embora a investigação esteja em estágio inicial, representa um avanço importante. Ela busca interromper a carcinogênese antes do surgimento de lesões pré-malignas. Ainda não há resultados clínicos, e a segurança será o primeiro parâmetro analisado.
Esse estudo inaugura um campo distinto das vacinas terapêuticas, aproximando o câncer de pulmão de outras doenças oncológicas nas quais imunizantes preventivos já são realidade.
Quais são os principais candidatos em desenvolvimento?
Entre os imunizantes mais estudados, alguns se destacam.
Tedopi (OSE2101)
É uma vacina peptídica que estimula células T contra epítopos tumorais específicos. Ensaios apontam melhor tolerabilidade que quimioterapia em determinados cenários. Os dados incluídos na metanálise reforçam sua consistência de segurança.
Vacinas baseadas em mRNA
Plataformas de RNA possibilitam desenhar vacinas personalizadas, partindo da análise do tumor de cada paciente. Estudos preliminares apontam boa resposta imunológica, e a flexibilidade tecnológica favorece combinações com imunoterapia.
Como esses avanços influenciam o cuidado de pessoas mais velhas?
O câncer de pulmão é prevalente acima dos 60 anos. Portanto, tratamentos eficazes e menos tóxicos representam um ganho importante para a qualidade de vida. As vacinas oferecem vantagens:
- Toxicidade reduzida, fundamental para indivíduos com múltiplas comorbidades.
- Potencial de uso em manutenção, diminuindo o risco de progressão.
- Compatibilidade com programas de reabilitação pulmonar, que favorecem autonomia.
Para o público maduro interessado em longevidade, essas estratégias combinam preservação funcional, menor toxicidade e integração com hábitos saudáveis, como cessação do tabagismo e exercício físico.
Quais são os desafios que ainda precisam ser superados?
Apesar dos avanços, os desafios permanecem relevantes. É importante reconhecer com precisão a magnitude real dessas terapias. As vacinas para câncer de pulmão, nas evidências disponíveis até o momento, não produzem respostas dramáticas ou curas isoladas; seu impacto clínico é modesto, traduzindo-se em ganhos incrementais de sobrevida ou controle da doença em cenários bem definidos. O benefício costuma aparecer em subgrupos específicos, especialmente pacientes com tumores menos agressivos, menor carga tumoral ou características imunológicas favoráveis.
Além disso,de acordo com a metanálise publicada na EClinicalMedicine (The Lancet), o uso de vacinas terapêuticas após tratamento de primeira linha reduziu o risco de morte em cerca de 15% (HR = 0,85; IC 95%: 0,78–0,92) em comparação com controle, embora a melhora na sobrevida livre de progressão não tenha sido estatisticamente significativa (HR = 0,91; IC 95%: 0,79–1,05). Esse benefício se traduz em ganhos incrementais, e não em curas dramáticas, especialmente porque muitos ensaios têm populações pequenas, diferentes tipos de vacina e falta de biomarcadores sólidos para prever quem mais se beneficia. Esses limites demonstram que, apesar de seguras e promissoras, as vacinas devem, por ora, ser vistas como terapia complementar, não substituta.
Outro obstáculo é o tempo necessário para medir desfechos de sobrevida. Estudos preventivos, por exemplo, exigem anos de acompanhamento. Mesmo assim, o campo evolui rapidamente, impulsionado por plataformas modulares e pela expansão de ensaios clínicos.
Qual é o futuro das vacinas para câncer de pulmão?
O futuro segue três direções principais. A primeira é a consolidação de vacinas preventivas para grupos de risco. A segunda envolve vacinas personalizadas, moldadas às mutações do tumor de cada indivíduo. A terceira linha aposta na combinação com imunoterapias modernas, reforçando a ativação imune e reduzindo recaídas.
A convergência dessas estratégias indica que as vacinas não substituirão outros tratamentos, mas podem funcionar como ferramentas complementares, com boa tolerabilidade e potencial de prolongar a sobrevida.
Conclusão
A área de vacinas para câncer de pulmão atravessa um momento de transição. A metanálise publicada em EClinicalMedicine mostra que as vacinas terapêuticas apresentam segurança consistente e benefício clínico modesto, principalmente em estratégias de manutenção. Paralelamente, o surgimento de estudos preventivos amplia o horizonte para intervenções em fases ainda mais precoces da doença. Esses elementos combinados apontam para um futuro em que a imunização terá papel crescente no manejo do câncer de pulmão, especialmente em pacientes bem selecionados.
Referências
- Shaoyi Chen et al. Evaluation of clinical and safety outcomes of cancer vaccines in patients with lung cancer. EClinicalMedicine (The Lancet). (2025) DOI: 10.1016/j.eclinm.2025.103369
- G1. “Vacina para prevenir câncer de pulmão inicia estudos em humanos”. Acessado em 20 nov 2025.
- Stephen V. Liu, et al. Phase 3 trial of the therapeutic cancer vaccine OSE2101 versus docetaxel in patients with metastatic non-small cell lung cancer and secondary resistance to immunotherapy. J Clin Oncol. (2025) DOI: 10.1200/JCO.2025.43.16_suppl.TPS8651
- Fan, T., Zhang, M., Yang, J. et al. Therapeutic cancer vaccines: advancements, challenges and prospects. Sig Transduct Target Ther (2023). DOI: 10.1038/s41392-023-01674-3

























